segunda-feira, 31 de maio de 2010

Transparências Bálticas

Debaixo de um tecto que domina um espaço vasto onde se aglutinavam diferentes sons, estava eu sentado, confrangedoramente dobrado sobre aquilo em que me tornei, quando decidi beber o copo de água, que me arrefeceu por dentro.

Escolhi um copo transparente, fino e de rebordo suavemente arredondado. A água, aí vertida, soluçou ao cair mas não se revoltou. Olhei o copo, olhei a minha mão que o agarrava, cheguei-o para mim e disse-lhe baixinho: sabes, bebo-te agora antes que morra.

Talvez por não ter escolhido um copo de design, coisa que, à minha volta era fácil, não me recordo do que senti quando o pousei.

Apenas continuo a senti-lo nas mãos.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Síndrome Vodkaiko de Владивосток

Por razões que tem a ver com a frota que por lá está estacionada, alojaram-me na cidade, sem me perguntarem se estava afim de passar uns dias naquele Far East gelado, numa altura em que a água rebentava com os radiadores e o vodka era a base do auto-sustentado aquecimento.

O corpo humana assim alimentado, transforma-se numa espécie de destilaria que dá guarida a uma espécie estranha de células que não conseguem ser assimiladas e são expelidas, por ordens vindas de dentro. Imediatamente antes de isso acontecer, fica-se com uma sensação de enfarte e no após, esquece-se tudo.

Foi num Maio longínquo, sob o efeito daquilo que já não me lembrava, num cenário branco, no meio do nada, que percebi o que era o Síndrome Vodkaiko.

Não hesitei, bebi mais um copo, saí do hotel com vista para a baía, apanhei o Trans Siberiano e fui-me embora dali.

sábado, 8 de maio de 2010

Um T de final de vida a ver Beirute

Numa das minhas passagens ao largo de Beirute, há vários dias com o mastro partido e muitos nós a darem cabo de mim, vi a linha do horizonte transformar-se num delta de um final de vida.

E ali estava eu, as mãos esquartejadas pelas manobras de sobrevivência, o sangue gelado pelo frio e uma provisão de água feita de lágrimas.

Sem recursos, tal como os fenícios que não o sabiam fazer, assinei com um T e fechei os olhos.