sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

Nos imediações de Belgrado

A missão era de paz mas eu não a tinha.

Mesmo assim aceitei-a e fui. Fui até chegar a uns quantos fusos horários depois, cheios de ervas, a cheirar a humidade, protegidos por bidons e poeira. Nada que chegasse para me pacificar.

Por obrigação, tive que me instalar na cidade Branca e ouvi-los. Falavam demais. Para me compensarem - julgo que tenha sido, mas pode apenas ter sido porque e não para - deram-me um quarto com vista para o Danúbio de onde podia ver as minhas aspirações penduradas nas estrelas, quando as havia.

As poucas horas de sono, numa cama que eu não queria, completavam o meu cenário de missão.

Tendo por companhia, os reflexos das luzes néon que me entravam pela janela, assim me gastava, a perpetuar a vida que me dei.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Jazz dentro de mim em Cap Cod

Depois de muitos kms ao volante, os néons de um lugar no meio do nada, quase que me ordenaram que ali me detivesse.

Era verão e eu estava muito longe de casa e ainda mais de mim próprio.

Talvez por isso, estacionei mesmo à frente de uma tabuleta de madeira (lembro-me da corrente que a suspendia e dos 3 nós que deixavam adivinhar a idade do tronco que já tinha sido) e desliguei os faróis.

A lua estava cheia e The Duck Creeke Tavern também.

A atmosfera era um pouco dark, os personagens surpreendentemente interessantes e eu, que não tenho interesse nenhum nem sou ninguém, senti-me bem ali, provavelmente porque o pianista de Jazz me surpreendeu com uma música das minhas, como se a tivesse tirado de dentro de mim.

Completamente embalado pelo mar e pelos sons de um Air A Danser que o pianista repetidamente tocava, entalado num local que se viria a revelar estranho, consegui adormecer.

Nessa noite sim, adormeci. Tinha-te ali.

domingo, 14 de novembro de 2010

Os bailes da memória das noites no Serengeti

Quando me mandam para África, eu vou.

Não tenho por hábito discutir ordens e nada tenho contra a autoridade. Coisas!

Numa dessas idas, mais uma vez, senti quanto a imensão de algo grandioso, me deixa a pairar numa espécie de espaço-tempo cheio de partículas vulcanicas trazidas pelos ventos. Algo, dificil de definir para alguém dono de uma natureza densa e porosa como eu.

Respirava-se o calor do fim do dia, havia um silêncio salpicado aqui e ali pela suave brisa e eu tinha sede.

Sentei-me debaixo das acácias, cobri-me de camadas e camadas de sons de guitarras que faziam rodopiar as folhas enquanto, a mim, apenas me sustinham vivo.

Nesse preciso momento, paleontologicamente falando, eu que, algures na minha vida, devo ter feito um pacto com a gravidade, senti uma enorme vontade de trepar pelos ramos.

Não o fiz e continuei sentado, acompanhado pelas memórias, sempre à mão quando delas se precisa. Talvez por saber que aquelas que me dão motivos para acordar e que, sendo as mais voláteis, são exactamente as que mais se impregnam, adormeci.

Talvez consiga viver mais anos, agora que me movo a inércia.

sábado, 30 de outubro de 2010

Hopeless place

Rodeado pelos seres vivos mais antigos do mundo, doía-me muito estar ali, naquele local estreito de vistas e gelado pela impossibilidade.

Atrás de mim, havia uns ramos de árvores a cobrir um céu carregado de frio e aos meus pés, a entrada escura de uma mina.

De permeio, ouvia-se a minha voz a perguntar-me:
“Afinal, esventramo-nos para quê?”

Arrebatadas pelas palavras de uma canção, que se ouvia baixinho, mas cada vez mais próxima, as minhas, penduraram-se no vento e ali se deixaram ficar.

O dia era azul, o local prefiro mantê-lo incógnito, embora isso não me alivie.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Lá para os lados de 天山

A perspectiva de poder subir aqueles mil metros todos, levou-me a dizer que sim.

O mês estava cheio de um algodão que se espalhava à minha volta como se fosse uma espécie de exército branco resistindo à implantação da nova ordem.

Os dias do mês serviam de compartimentos para os arrumos de toda aquela produção de Gossypium que, esvoaçava em movimentos suaves, ali mesmo onde eu me encontrava.

Ali, era um lugar assim, onde se ouvia uma fala de raízes altaicas, enquanto as minhas mãos se abriam.

Ali, era um lugar assim, onde uma rede hidrográfica que corria para sudoeste, não tinha saída para o mar, ainda que as minhas mãos estivessem abertas.

Ali, era um lugar assim, onde por via dos tiques czaristas que teimavam em sobressair, ou por via de qualquer outra irrelevância, havia uma "natural light displays in the sky".

A rota da seda, essa, passava a sul de mim.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Enquanto sobrevoo o Atlântico

Há anos que guardo comigo uma frase hermética de tão adjectivada.

Li-a, num dia de verão (sei que era verão porque cheirava a palha), no sotão de uma casa de campo (sei que era no campo pelo barulho do silêncio), numa contracapa dura de um livro azul (sei que o era, embora não me lembre da cor).

Guardei-a e nunca lhe dei uso. Não gosto de citações e ainda menos de falar do que me é imcompreensível. Mas, por estes dias, tenho pensado nela enquanto me concentro para não ter pena de mim próprio e, por isso, talvez a tenha, finalmente, compreendido.

Agora sei definir-me: um personagem sem utilidade nenhuma que guarda uma frase sem interesse nenhum.

De resto, o mundo existe. Eu existo, mas ele não parece reparar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Incógnito, naquele querido mês de Agosto (*)

A história do redil e a forma como o ego se faz e desfaz sem nunca conseguir ser, são coisas que a minha imaginação nunca poderia inventar.

Aquilo que ali havia e que oscilava entre a sobrevalorização ousada de si e o medo de ser descoberto, era de um tamanho tal, que lhe turvava a visão e o impedia de ver as suas próprias qualidades, visíveis apenas aos olhos dos demais.

Tenho alguma dificuldade em entender a minha resistência, disfarçada de persistência, mas sim, creio que agora poderei voltar a Agosto, qualquer dia.

Voltar, para voltar a partir.

(*) “Aquele querido mês de Agosto” título do filme de Miguel Gomes que foi até objecto de uma Dissertação de Mestrado em Estudos Artísticos disponível aqui e, claro, superiormente musicado.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O brilho de Lisboa no meio dos boxers

Quando me sinto baço e quase opaco, vou-me embora de onde quer que esteja. E não, não é uma fuga. É algo de vital para a sobrevivência interior, exterior, de doutor, sem dor, com ardor, cheia de cor, a procura de amor, como queiram.

Vou e viajo sempre com bagagem reduzida. Isso significa que, espalmadas entre as boxers e as t-shirts, levo sempre meia dúzia de sensações que nunca me largam.

O brilho é uma delas.

O brilho da minha cidade, que me persegue pelas outras cidades por onde passo. Talvez por isso, levo sempre comigo o desejo do regresso. O regresso à minha cidade, Lisboa.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Verão em Amesterdão

Os barulhos em algumas cidades são assim uma espécie de cruzamentos de sons que nos trespassam (leia-se fazem-nos sentir vulneráveis).

Em Amesterdão, onde as gentes que se deslocam de forma aleatória, esses sons, que se misturam com o vento, disfarçando-se em vestes musicais, são reveladores.

A horas mágicas, como as 6h da manhã, às vezes com uma cerveja fresca em cima da mesa à nossa frente, um cheiro a pólen no ar misturado com aquele que sabemos ser de mar e que, inadvertidamente pensamos ser amar, invadem a nossa pequena existência de forma delicada.

É nessas alturas, que se ouve claramente um sax que nos grita.
Nós, respondemos sem nos fazermos ouvir.

sábado, 19 de junho de 2010

O monólogo da janela aberta em N.Y.

O calor da cidade fazia mais por mim do que toda a minha vontade.

Deitado naquele jardim de bairro, olhava eu, para um céu nuanceado de nuvens difusas e fininhas, quando me dei conta de que havia uma janela aberta a olhar para mim.

As cortinas a esvoaçarem, produziam uma fala de descodificação fácil, porque melodiosa. O escuro no interior, acolchoava os sons que o vento conseguia soprar. Chegou até mim. Eu, que ali estava, surpreendido porque as folhas nas árvores de tão sossegadas, pareciam ausentes, deixei-me encantar pelo momento, e deixei-o que as palavras que não era preciso dizer, se desenhassem nos contornos do meu sorriso, acabadinho de nascer.

Elas, brancas e eu, incolor, na minha insignificância.
Ambos, quedos.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Suspenso em Rattanakiri

Andar descalço em cima de um passadiço e sentir o espaço entre as tábuas dá-me um frisson que me recorda sempre uma travessia que fui obrigado a fazer no meio das árvores debaixo de uma chuva tropical.

Era quase de manhã e o calor era uma espécie de mel. Empastelava-me e, quase que podia sentir a concentração de água em cada poro. Fechar os olhos dava uma dimensão irreal aquele estado e fazia daquele ser, ali encharcado, um insignificante nada.

Talvez pela densidade da sensação, hoje, quando chove, ainda continuo a sentir ao de leve a evaporação da água ao escorrer sobre mim.

E gosto.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Transparências Bálticas

Debaixo de um tecto que domina um espaço vasto onde se aglutinavam diferentes sons, estava eu sentado, confrangedoramente dobrado sobre aquilo em que me tornei, quando decidi beber o copo de água, que me arrefeceu por dentro.

Escolhi um copo transparente, fino e de rebordo suavemente arredondado. A água, aí vertida, soluçou ao cair mas não se revoltou. Olhei o copo, olhei a minha mão que o agarrava, cheguei-o para mim e disse-lhe baixinho: sabes, bebo-te agora antes que morra.

Talvez por não ter escolhido um copo de design, coisa que, à minha volta era fácil, não me recordo do que senti quando o pousei.

Apenas continuo a senti-lo nas mãos.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Síndrome Vodkaiko de Владивосток

Por razões que tem a ver com a frota que por lá está estacionada, alojaram-me na cidade, sem me perguntarem se estava afim de passar uns dias naquele Far East gelado, numa altura em que a água rebentava com os radiadores e o vodka era a base do auto-sustentado aquecimento.

O corpo humana assim alimentado, transforma-se numa espécie de destilaria que dá guarida a uma espécie estranha de células que não conseguem ser assimiladas e são expelidas, por ordens vindas de dentro. Imediatamente antes de isso acontecer, fica-se com uma sensação de enfarte e no após, esquece-se tudo.

Foi num Maio longínquo, sob o efeito daquilo que já não me lembrava, num cenário branco, no meio do nada, que percebi o que era o Síndrome Vodkaiko.

Não hesitei, bebi mais um copo, saí do hotel com vista para a baía, apanhei o Trans Siberiano e fui-me embora dali.

sábado, 8 de maio de 2010

Um T de final de vida a ver Beirute

Numa das minhas passagens ao largo de Beirute, há vários dias com o mastro partido e muitos nós a darem cabo de mim, vi a linha do horizonte transformar-se num delta de um final de vida.

E ali estava eu, as mãos esquartejadas pelas manobras de sobrevivência, o sangue gelado pelo frio e uma provisão de água feita de lágrimas.

Sem recursos, tal como os fenícios que não o sabiam fazer, assinei com um T e fechei os olhos.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Izapa ou quando amar é desapaixonar-se

Olhei para mim e lá estava o pó, que se tinha colado à pele. Olhei para o pó e lá estava eu, embalado pelo zumbido das moscas que pareciam marcam o compasso de uma qualquer dança sensual. Estavam também, ambas as margens do rio Suchiate.

Deitado de costas, naquele solo vulcânico, hesitante entre a humidade da montanha e a certeza da minha pequenês, deixei-me cobrir por aquela película escura e abandonei-me à sensação da minha vulnerabilidade, que não me deixava ser.

Ali, algures perto da fronteira com o México, de onde vinha o vento que trazia o pó e uma música no ar, percebi que amar pode não ser mais do que desapaixonar-se.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Um 22º andar no Panamá

O canal do Panamá atravessava-me o olhar todas as manhãs, desde que a luz me fazia levantar e ir, sem convicção, olhar-me ao espelho. Fazia-o, automaticamente, naquele espaço branco e asséptico onde, invariavelmente, me interrogava sobre o dever de me barbear e, aproveitando o balanço, sobre todos os outros deveres da vida.

Talvez, devido ao vapor de água que condensava à minha frente, essa questão dos deveres nunca foi muito clara. Nem ali nem em qualquer outro dos lugares por onde andei. Foi sempre uma questão por escanhoar e que, tal como a barba, levava a melhor sobre mim.

domingo, 11 de abril de 2010

No sítio que é a tua foz

Hoje, estive lá... na tua foz, cheia de água.

Estive, com os meus olhos, a olhar o que tu vês, quando olhas e consegues ver. Estive deitado na tua areia, a olhar o teu céu e a cheirar o teu mar. Senti-te por ali. Estive a sentir-te durante toda a tarde. Para isso, precisei de apertar na minha mão umas pequenas pedras brancas, com a força de um abraço. Estive a ouvir aquele vento que tu ouves e que te desafia a sair dali mas que te encurrala na subida. O mesmo vento, que parece levar-te a minha voz, vinda dos lados do coreto, que há anos teima em estar ali à tua frente. É real e está lá. Eu sou real e estive lá.

Estive, mas tu não estavas... na tua foz, que te afoga.
(se estivesses, haviamos de ser. havemos de ser, eu sei)


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Um cargueiro em Willemstad

Há sensações que nos chegam estranhamente, sem que haja algum índicio.

Há uns anos atrás, estava eu sentado, parado e chateado, atrás de um mojito gelado, cujo sabor forte eu aprecio, quando um cargeiro, num deslizar apressado, a cerca de 50m, me enche todo o campo de visão. Valeu-me estar em terra. O meu coração descontrolado, ao ponto de avariar qualquer poilígrafo que ousasse testemunhar o meu medo naquele instante, foi capaz de me traduzir internamente numa linguagem muito seu: "vês, como és pequenino!".

Estava eu em terra, caso contrário, seria bem capaz de não acreditar.

sábado, 27 de março de 2010

Do outro lado da ponte de S.Francisco

Os km da ponte de S. francisco deram-me volta à cabeça e, ao percorrê-los, dei comigo numa grande zanga comigo próprio. Pode ter sido pelo ritmo sincopado e pelo vento alinhado. Sei apenas que, na outra margem, era um outro eu que guiava aquele carro.

Este episódio, foi mais um, à medida daquilo que à falta de outro conceito mais próprio, eu designava pela minha espécie de "desaparafusação interior". Nunca me importei em investigar.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O silêncio do norte acima do paralelo 70

A minha vida, que há muito era uma espécie de road movie without a road, levou-me para onde sopra um vento frio e a luz é, as mais das vezes, envergonhada. Estar só, no meio de espaços que me tinham só a mim, faziam-me sentir em comunhão com o silêncio. Curiosamente, isso fazia-me ouvir melhor os meus barulhos interiores.

Foi ali, que pude entender que tenho vivido assustado, pelo medo que trago no peito e que se agiganta, me assusta e inibe em todos os momentos dos dias e das noites, não me deixando correr o menor risco.

Tolhido pelo frio e encantado com o silêncio, deixei-me ficar por ali, no meio de um norte branco, onde nada me incomodava, nem eu próprio.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Relâmpagos de mim em Dar es Salam

Sentia-se o calor na garganta e a humidade por todo o corpo. Era um fim de tarde de uma estação do ano pouco definida. Era a época do cacimbo mas não parecia. Os cães, assustados, encostavam-se às paredes e mal se mexiam.

Eu, peguei na máquina e, ali, usando a luz que os relâmpagos me ofereciam, fiz os melhores auto-retratos de que me lembro. Foi em Dar es Salaam e eram 5h da tarde.

Nessa noite, dormi ao relento como se quizesse gravar em mim esse dia e, a partir dele, fazer alguma coisa de jeito da minha vida, tão cheia de dias e de pouco mais.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Um granizado de champanhe em Buenos Aires

Estava calor e eu tinha acabado de tomar um duche quase gelado o que não impedia de estar a precisar de outro. Saí, apesar de me perguntar para quê. Talvez fosse pelos ares ou pelos bares.

Ali, onde outrora o tango era coisa de homens, estava eu, hoje, a perguntar-me porque razão os detalhes eram tão importantes na minha vida. Bebi o granizado de champanhe levemente inclinado sobre o meu desconforto e dediquei-me a olhar em frente.