sexta-feira, 23 de abril de 2010

Izapa ou quando amar é desapaixonar-se

Olhei para mim e lá estava o pó, que se tinha colado à pele. Olhei para o pó e lá estava eu, embalado pelo zumbido das moscas que pareciam marcam o compasso de uma qualquer dança sensual. Estavam também, ambas as margens do rio Suchiate.

Deitado de costas, naquele solo vulcânico, hesitante entre a humidade da montanha e a certeza da minha pequenês, deixei-me cobrir por aquela película escura e abandonei-me à sensação da minha vulnerabilidade, que não me deixava ser.

Ali, algures perto da fronteira com o México, de onde vinha o vento que trazia o pó e uma música no ar, percebi que amar pode não ser mais do que desapaixonar-se.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Um 22º andar no Panamá

O canal do Panamá atravessava-me o olhar todas as manhãs, desde que a luz me fazia levantar e ir, sem convicção, olhar-me ao espelho. Fazia-o, automaticamente, naquele espaço branco e asséptico onde, invariavelmente, me interrogava sobre o dever de me barbear e, aproveitando o balanço, sobre todos os outros deveres da vida.

Talvez, devido ao vapor de água que condensava à minha frente, essa questão dos deveres nunca foi muito clara. Nem ali nem em qualquer outro dos lugares por onde andei. Foi sempre uma questão por escanhoar e que, tal como a barba, levava a melhor sobre mim.

domingo, 11 de abril de 2010

No sítio que é a tua foz

Hoje, estive lá... na tua foz, cheia de água.

Estive, com os meus olhos, a olhar o que tu vês, quando olhas e consegues ver. Estive deitado na tua areia, a olhar o teu céu e a cheirar o teu mar. Senti-te por ali. Estive a sentir-te durante toda a tarde. Para isso, precisei de apertar na minha mão umas pequenas pedras brancas, com a força de um abraço. Estive a ouvir aquele vento que tu ouves e que te desafia a sair dali mas que te encurrala na subida. O mesmo vento, que parece levar-te a minha voz, vinda dos lados do coreto, que há anos teima em estar ali à tua frente. É real e está lá. Eu sou real e estive lá.

Estive, mas tu não estavas... na tua foz, que te afoga.
(se estivesses, haviamos de ser. havemos de ser, eu sei)


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Um cargueiro em Willemstad

Há sensações que nos chegam estranhamente, sem que haja algum índicio.

Há uns anos atrás, estava eu sentado, parado e chateado, atrás de um mojito gelado, cujo sabor forte eu aprecio, quando um cargeiro, num deslizar apressado, a cerca de 50m, me enche todo o campo de visão. Valeu-me estar em terra. O meu coração descontrolado, ao ponto de avariar qualquer poilígrafo que ousasse testemunhar o meu medo naquele instante, foi capaz de me traduzir internamente numa linguagem muito seu: "vês, como és pequenino!".

Estava eu em terra, caso contrário, seria bem capaz de não acreditar.